24
Jul15
"Um Cofre Escancarado"
por maga rosa
Chegou-me às mãos um livromuito especial, tão especial, que o ando a ler com todo o cuidado como se deuma peça rara se tratasse e tão delicada como a mais fina das porcelanas, que aomenor descuido se pode partir…
Tomei a ousadia detranscrever alguns trechos da obra, como uma pequena homenagem ao seu autor,pessoa conhecida das minhas relações. Trata-se de um senhor que nasceu sob asenergias do Sol no signo de Touro, (tal como eu J ) e nopenúltimo ano da 1ª República Portuguesa, o que dá umas boas nove décadas demuita sabedoria e um sem fim de memórias!
“Chegado o fim-de-semana, orancho vem para casa. É esperado com ansiedade pelos homens do lagar, elasdurante a semana treinavam em cantigas. Vêm mais queimadas do sol, talvezcansadas mas animadas. Entram no portão largo, desafiadoras, entre risos egalhofas, lançando…
Uma voz que se faz ouvir;
Oh parreira dá-me um cacho,
Oh cacho dá-me um baguinho,
Inda encontrarei o mê amor
Nos passos do mê caminho.
O Caixinha, que ficara de olhona rapariga, não se contém e lança:
Deitei o limão a correr
À beira de ti parou…
Quando o limão te quer bem
Que fará quem o deitou!
A visada responde de imediato:
Vai de roda, vai de roda,
Não ‘tejas com brincadeira
O mê par é guardador
Bota os pintos na capoeira.
Há palmas e assobios, mas oCaixinha reage com calma, suplicante:
Um favor te vou pedir
Amor, aperta-me a mão:
‘Inda espero de ser teu
Só que por ora, ‘inda não!
Mas a rapariga é rápida naresposta:
Já pisaste a uva branca
A uva tinta vais pisar;
Só a mim tu não pisas
Não sou uva p’ró teu lagar!
O Caixinha oscilou face à ‘estocada’.Todos vêem que o rapaz está a ficar ‘pelo beicinho’ com a moça… Reage, porém enuma espécie de apelo atira em voz doce:
Oh cachopa, oh meu carinho,
Oh anjo do meu altar:
Diz um ditado antigo
‘Quem desdenha, quer comprar’!
Antes que a rapariga tenhaoportunidade de responder, o Zé Tomás ‘saca da gaita-de-beiços’ e sai-se com osom de um corridinho mexido.”…
E não é que a cachopa ficou mesmo com o Caixinha?!Juntaram os trapinhos e o rancho regressou sem ela! (conclusão tirada pelacontinuação da leitura)
“ Ante a Lei das Recordações,não se pode escamotear a verdade…
… nem apagar os erros – se oserros serão tropeços nos escolhos que a vida coloca nos caminhos do aprendizadode conhecimentos…
Sensato seria deixá-los nasombra do passado, como passado que é…
… mas a mente sã alimenta-se de memórias!”
Por tal, e porque as suasmemórias pessoais só a ele pertencem, limito-me a transcrever para aqui, sóalgumas partes que considero que fazem parte das memórias colectivas…
A título de curiosidade,partilho com os meus leitores duas preciosidades de outros tempos:
- Chegou a existir um impostosobre o uso do isqueiro em espaços públicos, pelo que, a falta do respectivocartão para uso do dito cujo, dava direito a multa ou até a prisão na falta depagamento.
Aos fumadores de hoje, quem diriahein??!! Muita gentinha hoje seria presa se essa lei ainda se mantivesse emvigor!
- Um outro dado que não possodeixar passar em branco, as portagens! Ainda nós reclamamos das que temos actualmentenas auto-estradas e das famosas scuts…
E não é que em tempos secobrava portagem a quem passava a ponde D. Luís, à saída da mesma, do lado deSantarém?! Meio tostão era o que cada um pagava ao passar por lá e não era sóde carro, acreditem, porque esses havia-os bem poucos.
Com uma mão cheia (ou asduas!), de cargos repartidos entre Repartições de Finanças pelo país fora,Tribunal e Ensino, ao que se soma ainda o de Director de um jornal regional,entre outras ocupações…Nascido em meio rural, onde o costume ficava-se porseguir as pisadas dos pais e de preferência servir de mão-de-obra gratuita aosustento da família, não era qualquer um que fazia mais do que o ensinoprimário e muitas vezes nem isso! Falo-vos dos idos anos 30 e 40 do séculopassado. No caso deste ilustre senhor, valeu-lhe a sua enorme vontade deaprender e persistência. A par de tudo isto, desenvolveu ainda o gosto (se bemo entendi), pela escrita de literatura policial.
“ O trabalho é, de resto, ogerme da condição humana: física, mental e moral. É no esforço do trabalho queo corpo se desenvolve e fortifica, a mente, aberta à capacidade de inteligênciacriadora, realiza-se e recria-se, testa e corrige o carácter e senso moraldessa condição.”
Ainda mais que, fiquei asaber também, trabalhou numa terra que me enche o imaginário e as sensações!Óbidos! Terra dos meus encantos. Devo ter lá vivido numa outra encarnação! J