Faz hoje 40 anos, nem mais nemmenos, que eu, juntamente com mais uns quantos milhões de portugueses vivemos odia mais estranhamente espetacular e inesquecível de sempre e que ficará para ahistória! Sendo eu uma miúda de aldeia, longe da capital e alheia a essasgrandes movimentações políticas e militares, ficou-me desse dia não a memóriado grande feito dos nossos heróis e dos cravos, mas quatro momentos posteriores, ouconsequências desse dia e que marcaram grandemente a minha infância.
Regresso do meu tio Joaquim,combatente no ultramar, mais precisamente em Angola. Esse dia foi vivido compompa e circunstância! Teve direito a excursão familiar rumo a lisboa, aoaeroporto militar onde eu, encavalitada no muro, do alto dos meus 8 anos,assisti a um dos momentos mais emocionantes da minha vida! No final, houve atépiquenique num jardim qualquer da cidade, do qual só me resta a memória de umatoalha estendida na relva e muita comida espalhada por cima e muitos rostos emocionadose felizes à sua volta.
Mudança de casa e para o meu pai,de profissão. Com a ocupação das casas, terrenos e quintas dos mais abastados,também nós fomos atingidos. Foi um golpe duro. Não tínhamos casa própria e nemeramos ricos, e tudo o que o meu pai tinha conseguido amealhar com esforço e muitotrabalho estava lá, gasto numas pilhas de troncos de madeira e em salários aostrabalhadores que a cortaram e amontoaram, no terreno do lavrador e pronta parair para a fábrica. Depois da revolta vieram as ocupações desmedidas e semcontrolo, onde a palavra liberdade foi distorcida e em que tudo se podia! O quenão foi vendido ao desbarato foi destruído. A madeira foi incendiada. Asfábricas fecharam. E o meu pai viu-se forçado a começar de novo, mais uma vez edesta feita, na agricultura. Mudamos de terra e de casa. Para mim foi umaaventura, uma aventura inesquecível numa quinta a perder de vista (aos meusolhos de então!), cheia de recantos e encantos por descobrir. Só tive pena dena mudança perder a minha boneca, a minha única boneca e modelo para os meusdotes de pequena costureira!
Eleições. Primeiras eleiçõeslivres. E sobretudo, uma grande vitória para as mulheres, que pela primeiravez, todas sem exceção tinham o direito ao voto. A minha mãe estava lá, e nafila ao lado dela estava eu. Foi um grande acontecimento!
Por último, mas não o último dos 4 acontecimentos em ordemcronológica, uma notícia de jornal! A notícia da minha vida. Foi pelos meusolhos que li as palavras lá escritas e a imagem que mostrava umas roupas demuitos anos, manchadas de sangue. Aquilo chocou-me e marcou-me. Os restosmortais de uma mulher morta durante o regime salazarista iam ser mudados paraoutro local. E na minha inocência perguntei-me a mim própria silenciosamente,se iriam passar com ela ali na nossa estrada, à nossa porta. Ansiei que assimfosse e eu a pudesse ver. Não passou! A estrada foi outra a muitos quilómetrosde distância, mais para sul.
Mais tarde, já adulta e a trabalhar em Lisboa, deparei-me com o livrosobre essa minha heroína numa banca de livros usados, lá para os lados da Praçado Comércio. Veio comigo.
E, numa página de um livro astrobiográfico escrito a várias mãosmuitos anos depois, lá está o meu tributo a essa grande mulher que marcou aminha infância e me ensinou (mesmo que indiretamente) o que é o 25 de Abril!
Imagem dos cravos tirada daqui